10 de dez. de 2012

Veleiro



 No leito do meu veleiro
Seus olhos se deitaram
Com a tua boca fina
No fio do meu olhar
E nos teus braços de tempestade
Me ancorei
E mais nenhum redemoinho
Foi capaz de me afundar
Na beira
Do teu mar. 


2 de dez. de 2012

Agora

E no momento — como dizer? — de certa forma eu estou gostando de estar me sentindo assim, desamparado. Porque é como um teste. Agora eu quero ver como eu me viro, entende? E sozinho.


                                                    Caio Fernando Abreu. Carta a Vera Antoun

13 de nov. de 2012

Hoya Shepherdii


No coração hospedava uma espécie rara de trepadeira, que não se fixava fácil. A trepadeira era mais indicada para o uso vertical, por meio, talvez, e se me lembro bem, de ventosas. Tentou aderir às superfícies, ainda inibida pela solidão que tudo que é  novo traz, e foi se espalhando, como se espalham os ventos violentos no sertão.  Feito a ressaca do mar. Se enveredou, com nada nas mãos, com mil horas num dia, mil as formas de se viver.  E se refazia, conhecia, tateava cada centímetro daquilo que agora estava dentro, in. E era bom, como um samba de Vinícius de Moraes, e pelo que há dentro, no fundo em nosso ser, acordo pensando que a trepadeira, na verdade,  era um simples abraço seu.


22 de out. de 2012

Solidão

 
Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!

Juan Ramón Jiménez

16 de out. de 2012

Dos conselhos

Todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas.

 Mergulhar corajosamente na espessura da vida e aproveitá-la onde você for, é sempre interessante.
 
 

Goethe

12 de out. de 2012

20 de set. de 2012

Movimento

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Não conjugo o pretério imperfeito do subjuntivo, se eu partisse, se tu partisses. Do imperativo me faço, quantas vezes forem necessárias, numa sequência infinita e, volto, sempre que me conjugar. Parta, leave, verlassen, para qualquer lugar, por fora, por dentro, onde todas as raças e o insignificante se cruzam, quebre o espelho, espatife o coração. O mundo é longe. Nosso corpo está fechado. Mude de cor, transfigure seu espírito. Aprenda com a realidade. Queira viver, melhor, cultive o bem e a felicidade, até seu miocárdio sair do palco e nunca mais atuar. Assenta a poeira, clareia, num movimento preciso. Um dia seremos só memória, quiçá. As dores estão aí, pairando, sempre estarão. Mas em estado de nuvem, sempre passam. Não se iluda, não há crescimento sem sofrimento, o maior educador que temos. Com ele lidamos com o desprotegido, o desconexo, de repente. Esteja sozinho sem medo. Se perca. Compomos o destino com nossas jornadas. Esteja de portas e janelas abertas, para sempre.

16 de set. de 2012

Vulnerabilidade

                                                          

- Era uma vez um cara que queria descobrir as ranhuras nas pessoas. As rachaduras mais difíceis.
- Mas não é todo mundo que expõe isso. Não é todo mundo que sabe que as tem.
- Todo mundo é vulnerável.
- É que tem gente que esconde isso a todo custo.
- E descobrir a vulnerabilidade das pessoas é legal?
- É humano. É o "de verdade". O resto são sorrisos automáticos e fotos felizes nos murais.
- Dig in deeper.
- For sure. 

                                                                 Fabrício Teixeira

8 de ago. de 2012

Nossa virtude não é amar


Em qualquer conversa corriqueira, sejam nos e-mails trocados com amigos distantes ou até na intimidade de uma mesa de bar,  sempre está presente o mais que famigerado tema do amor.  A necessidade de ter um amor-para-todo-o-sempre, daqueles que nunca vêm ou daqueles que parecem nos virar de ponta cabeça e nos deixam noites sem dormir,  parece a solução exata para  uma vida plena.  No entanto, a contemplação é sempre maior que a satisfação.  Se o tem, queixa-o, do contrário, necessita-o.  Além disso, no primeiro deslize dessa-coisa-toda-minha que ninguém mais pode ter, o amor se espatifa em pedacinhos pelo chão. O que era como uma muralha, invencível por qualquer tormenta, vai abaixo como peças de um dominó, sem nem sequer a chance de uma segunda rodada ou prorrogação. Para o amor romântico, sim, ele é um tipo de amor, existem muitos outros, sem tantas idealizações que estão além, muito além, de qualquer bom  partido que um dia você encontrar,  é cartão vermelho sem opção de reclamação. E na tentativa de fugir da solidão, como se pudéssemos, muitos desses amores vêm com uma vida frustrada, tanto nos desejos sexuais quanto nas possibilidades de viver. 
A Física nos ensina que dentre os infinitos caminhos que a luz pode seguir de um ponto A até um ponto B, a danada escolhe aquele em que ela leva o menor tempo entre esses mesmos pontos, A e B. É o Princípio da mínima ação.  Como a luz, na sua preguiçosa e sossegada escolha, muitos de nós seguimos trajetórias pré-determinas pelo indivíduo sociedade. Sedados, tradicionalmente, seguimos.  Neste caso,  seria o Princípio da máxima acomodação, que nos dá o homem ideal, adaptável, que num mimetismo  reproduz costumes e tradições, buscando a ilusória estabilidade. E, claro, vem os filhos, o mais novo objeto de aquisição, herdeiros de nossos legados e também de nossas decepções.  Filhos podem ser a renovação, mas também podem ser expectativas desleais. O cinema não nos deixa mentir. A vida não nos deixa enganar. Ou, eles, os filhos, sejam réplicas idênticas (um crime!) ou haja saliva e sessões num divã para convencê-los das idiossincrasias familiares, como se eles, os pais, fossem os guardiões da maralidade. Não quero dizer que quem escolha uma vida em família não seja feliz. O que vejo é apenas um despreparo, grande, nosso.  Não nos unimos como complementos, mas como soluções. Um para o outro. E no outro, nós não moramos.   
Além do mais,  nós estamos longe de amar. Dessa virtude não sofremos. Não existe amor nas relações amorosas, de um para o outro, unívoco, injetor, o que existe é  a busca do autoconsolo e da nossa satisfação e proteção, o que pode ser feio, exigente e, no fundo,  infeliz.  Por conseguinte, quando procuramos um amor, procuramos acalmar nossas tormentas de maneira mais suja e covarde, como se o outro fosse um oásis no meio do deserto, e o encontramos, no momento exato para saciar nossa sede. E, ainda assim, nessa secura de tudo, esperamos ser felizes.  Pobre de nós. 

3 de ago. de 2012

Das certezas duvidosas


Ela perguntou como é que eu tive certeza de que aquela escolha era a mais acertada. Respondi que nunca tive, que não tenho até agora. Porque tem coisas que a gente, simplesmente, não sabe. Decidi ali na tentativa de fazer o melhor e fui. Com fé. Sim, fé e não certeza. Vontade que desse certo. Ou, de pelo menos, que não fosse motivo para me arrepender para todo e sempre. Em alguns momentos, deu certo. Noutros, me arrependi para todo e sempre. Agora, acho que me conformei e que é assim e pronto, não tem mais volta e tudo bem. Tudo bem, de um jeito ou de outro, que a vida e o tempo consertam as coisas.

                                                                                    Briza Mulatinho

18 de jul. de 2012

Assassinato



                                                                                           Molotov Flowers - Banksy

E o mundo se fazia tão grande por aqueles dias. Paraísos inteiros eram contemplados por aqueles olhos, que faziam as estrelas mais próximas. Era com os olhos que agora vivia. Poderia usar todos os artifícios de camuflagem, mentir pelos quatro ventos, lograr em prol da paz entre gregos e troianos, mas dos olhos nada fugia. Fugitiva era a tentativa, mas ainda assim estava preso pelo mecanismo da visão, que nesses dias estava sempre alinhada a quarenta e cinco graus apontando ao oeste. Se redescobriu nesse movimento de afastar-se de tudo, daquele prato sujo sobre a mesa, da conversa que vinha do outro lado da rua num movimento pouco articulado, quase fixo. Agora contemplava o botão milagroso da flor, em busca de um olhar já partido, que parte sempre, sabendo que na verdade o tempo te trouxe, te cultivou e te assassinou em mim.

17 de jul. de 2012

Abraço


 Nos abraços
Cabem também
O temporal
Temeroso do esquecimento
Que nasce na boca da noite
No instante
Que quando a gente vê
Já não se é mais
O mesmo
Porto pra
Se chegar.

14 de jun. de 2012

Nosso mistério


                              
Que fugimos da insegurança com a força de uma tsunami, talvez poucos admitam.  Conviver com a falta é a grande atividade do ser humano. Se reparármos, estamos sempre transbordando de medos, desde a dança que o guarda-chuva faz na tentativa de nos proteger das gotas d’água, até uma visita de rotina ao médico.  Nos preocupamos tanto em nos proteger da violência, do sol, das partidas, dos beijos esquecidos, muitas vezes enfraquecidos, por razões claras: nossa auto-defesa e auto-proteção. Queremos proteger nosso coração contra o sofrimento e a solidão, essas áridas regiões que assombram e que estão sempre fora de lugar, deslocadas no tempo.  Queremos sonhos e conquistas, como um bem único. É uma sede de vida que assusta o mais bravo dos cavaleiros medievais, e nos torna tão valentes como se pode ver nas volumosas asas que nem mesmo a mais forte das tempestades pode derrubar.   Mas é no não entender desse desejo enorme, como uma multidão que parece andar de mãos dadas enquanto o mundo anda,  que está a fonte de sobrevivência e de temor. Em que querer estará o ponto final, o fim da trilha, o porto? No fundo parece tudo uma grande ilusão onde estamos imersos, como um açude no meio do sertão, no meio do destino.  Açude esse suficiente para a manutenção da nossa vida. É nele que se pesca. É nele que gado se agrada.  É na sua beira que amizades se fortalecem. Entretanto, a benção e a maldição de uma alma inquieta e desassossegada é um querer mais longe que esse, bem longe, onde o horizonte tange  o por- do – sol.  É lá que vamos encontrar os açudes mais vistosos, mais límpidos, lá os açudes são mares inteiros, esplendidos. É lá que vamos encontrar os mares de saudades, é lá que estão os mares de sertão, tão vazios e ásperos quanto a nossa sede.

13 de jun. de 2012

Poema em V

Varia                                                                                                                         e sai
   
      às vezes                                                                                                        da vida
   
               o sopro                                                                                          pouco
     
                      da vida                                                                            leva um
    
                              vem,                                                                   vem,
       
                                       infla                                                   do vento
      
                                               o peito                              a volta
     
                                                        e se                 às vezes
     
                                                                  esvai



                                                               Piéra Varin

1 de jun. de 2012

Sóis


                    Jan Saudek -   fotográfo Tcheco (o melhor).
                                           

Olhei o destino enquanto
O sol brincava no horizonte
E o danado
Na sua idiossincrasia
Como um pássaro
Quando quebra o ar
Saltou
Imenso
Pelo canto esquerdo 
Da janela.

5 de mar. de 2012

O vento

Pousava nos galhos das arvores, o vento. Ele vem dos altos trópicos, sorrateiro, criado em regiões de alta pressão, pressentida até mesmo pelo coração. O vento mostra para aquele homem que nenhuma ilusão deve preceder a realidade, pois, pare ele, os sóis luminosos já se apagaram. Na vida dele não cabe mais o destino, ele está esgotado pelas experiências. Ele parece um grande lago congelado após um rigoroso inverno. Ele é profundo. Canta às vezes, todos os sábados. Gosta de Jazz e do seu trabalho. Vai de carro ao mercado, pois o frio impede caminhadas de mais de cinco minutos. Acredita em horizontes e prefere os verões. Cabe-lhe o sagrado, uma das heranças da família. Gosta de escrever cartas e leva uma lua crescente no coração.

21 de fev. de 2012

Verdade

"Pessoas com vidas interessantes não tem fricote. Elas trocam de cidade. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida."



Martha Medeiros

18 de fev. de 2012

Ateu


Um velho ateu
Um bêbado cantor
Poeta
Na madrugada
Cantava esta canção seresta

Se eu fosse Deus
A vida bem que melhorava
Se eu fosse Deus
Daria aos que não tem nada

E toda janela fechava
Pros versos que aquele poeta cantava
Talvez por medo das palavras
De um velho de mãos desarmadas
Dos incríveis Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro

18 de jan. de 2012

Solstício

La Vague - Renoir


Bem sucedidas são as almas do de repente, suscetíveis aos ventos setentrionais, que estão suspensas sem fim, como um barco que é sustentado pelas águas do mar. Soa lá fora o agora que já se foi, e um feixe de sol suspira sobre a superfície da pele a ensinuar que o acaso sacia nossa sede. E o despertar do dia suspende o mistério a esclarecer que o tempo e a vida se encarregam de acalmar o corpo, enquanto que o destino sopra o mar e o barco para longe.

11 de jan. de 2012

Dos Pampas

feche a porta, esqueça o barulho
feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho

eu sou moço, seu moço, e o poço não é tão fundo
super-homem não supera a superfície
nós mortais viemos do fundo
eu sou velho, meu velho, tão velho quanto o mundo


Engenheiros do Hawaii


1 de jan. de 2012

Ela

"E ninguém é eu. E ninguém é você. Esta é a solidão."

(Clarice Lispector em Água viva)