31 de ago. de 2009

Perspectiva

Self Portrait - Goya


Para a Física
Uma lente
A biologia explica
Retina, córnea, íris
Um oftalmologista diria
Catarata
Os mais exigentes
Verdes
Para uma noite
Lápis
Para os guardas de trânsito
Atentos
Aos cegos
Possibilidades
Para o amor
Fome
Para Capitu
Oblíquos
Para os alegres
Manhãs
Para os nômades

Asas
Para a solidão
Dentro
À ausência
Agonia
Aos namorados
Lábios
Para os tristes
Silêncio
E para os olhos
A mudez.

Bruno Franzon


24 de ago. de 2009

Sem título

Por Vânia Medeiros

“Por mais que se movimentasse em gestos cotidianos – acordar, comer, caminhar, dormir – dentro dele algo permanecia imóvel. Como se seu corpo fosse apenas a moldura do desenho de um rosto apoiado sobre uma das mãos, olhos fixos na distância. Ausentou-se, diriam ao vê-lo, se o vissem. E não seria verdade. Nesses dias, estava presente como nunca, tão pleno e perto que estava dentro do que chamaria – tivesse palavras, mas não as tinha ou não queria tê-las – vagas e precisamente de: A Grande Falta”

Caio Fernando Abreu

23 de ago. de 2009

Agosto com bolo de milho e vinho quente.

Estilhaços de uma fogueira de São João lhe inundaram os olhos e com eles cobertos por uma névoa esbranquicada passou a perambular, taciturno, a procura de algum motivo que explicasse a sua vida.

Acordava cedo e desejava dias mais longos para prolongar a sua busca e o seu desencontro. Adquiriu hábitos estranhos, como passar pelo corredor da sala tocando as paredes e sentir prazer com o pinga-pinga da torneira do banheiro. Conheceu o mundo inteiro, ouviu todos os CDs que possuia, plantou girassóis, disse "eu te amo" infinitas vezes e nada, absolutamente nada, o tirou desse mal-estar.

Já exausto de buscar refúgios em viagens, médicos e boas ações, estendeu o corpo sobre o vazio em que se encontrava e passou, então, a observar um balão que subia por entre os fogos de artifício e as moças que dançavam com seus vestidos quadriculados, para, finalmente, ouvir as portas do trem se abrirem e descer na estação Vila Olimpía para mais uma jornada de 8h de trabalho.

16 de ago. de 2009

Estranheza

Barco com bandeirinhas e pássaros - Alfredo Volpi

Para aquecer o corpo
Nos dias de inverno
Mexe três vezes
O líquido caudaloso
Da xícara de chá
Em um gole
A verdade assombra
E a vida
Toma forma

Bruno Franzon

Concerto

Três Músicos - Picasso

"Viver é afinar um instrumento
De dentro pra fora,
De fora pra dentro."

Composição de Sérgio Berrini.

Persona


Foi com gritos e vibrações que o meu corpo respondeu à peça de teatro Canastra. Promovida por alunos da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP) o Projeto Canastra, como também é conhecido, está em cartaz na sala Alfredo Mesquita do Teatro Laboratório CAC-ECA-USP. Como num jogo de cartas, cada dia de espetáculo um “ator-jogador” é eliminado pela platéia (similar a um reality show), até sobrar um único e último ator, que ganhará o troféu de Ator-Canastra.


No total foram oito monólogos, da comédia ao drama, que discutiram meio ambiente, TV, solidão, crescimento pessoal, etc. A qualidade e o encanto das apresentações unido ao jogo de luzes, de cores e de movimentos corporais prometem uma disputa acirrada. Restam ainda seis exibições até conhecermos o vencedor. E as minhas apostas já estão feitas.


Para saber mais, o projeto tem um blog: www.projetocanastra.blogspot.com

13 de ago. de 2009

Estamos de passagem

Passaromem - Nestor Lampros

O fazer e desfazer as malas sempre deixa uma sensação ambígua. Por um lado a felicidade de rever amigos, familiares, amores e conhecer novas histórias e pessoas. Do outro, um grito acompanhado de uma intuição estrangeira e a crua presença da vida, que insiste em nos minimizar e nos mostrar que qualquer possibilidade de fixarmos raízes é inútil.


E é com esse gosto e um sorriso tímido, daqueles percebidos por poucos, nos despimos por inteiro, lavamos o rosto com água fria pela manhã e renovamos nossa vontade de seguir adiante, enquanto as asas doem e os dias seguem.



10 de ago. de 2009

O Homem

Drawing hands - Escher

A essa altura da evolução da humanidade, em que máquinas complicadas são utilizadas para as necessidades mais simples, onde não é preciso estômago para fazer a digestão, os homens são criados em laboratórios.

O pai uma macromolécula, a mãe um tubo de ensaio. Sem amor, ternura ou desejo sexual criam-se um produto e em nove minutos, rompendo com o mito da criação, podem-se escolher os melhores modelos: olhos azuis, cabelos claros, corpo bem desenhado, advogado, etc. Medido e aprovado. Sem, no entanto, a humanidade atingir um nível razoável de cultura e os homens ainda se matando como percevejos.

Chateados com a Terra eles criam foguetes e cápsulas para chegarem à Lua. Descem cautelosos na Lua, pisam na Lua, experimentam a Lua, colonizam a Lua, civilizam a Lua, humanizam a Lua. Agora tão igual à Terra, eles ordenam a suas máquinas: vamos a Marte. Os homens chegam em Marte e pisam, experimentam, colonizam, civilizam, humanizam Marte. Eles pensam: marte humanizado, mas que lugar quadrado. Ordenam de novo: vamos para Vênus. Fazem do espaço todo a Terra, até não restar nenhum sistema fora do solar a ser humanizado, acabam-se todos.
Contudo, estará o homem equipado para decifrar e viajar a si mesmo? E, entre posturas mais urgentes, sentar-se num banco, colocar o pé no chão, dobrar a espinha e experimentar, colonizar, civilizar, humanizar o homem, e descobrir nesse mundo mudo e estranho a arte de conviver?


Texto baseado nos seguintes poemas de Carlos Drummond: Os Homens, as Viagens; O Sobrevivente e O Novo Homen.