2 de dez. de 2009

Mário Schenberg


Físico, crítico de arte, pernambucano, político, ousado, intuitivo, humano. Sem dúvida um dos maiores físicos do século XX (e ele é brasileiro, acreditem!), o que é garantido pela versatilidade e habilidade de trilhar por, praticamente, todas as áreas do conhecimento. Sagacidade não lhe faltava para dar pitacos e escrever artigos sobre obras de Alfred Volpi, Lasar Segall, Picasso, Cândido Portinari, entre outros vários. Sua contribuição para a Física vai do entendimento do colapso de uma estrela, passa pelas propriedades das partículas elementares, relatividade geral e matéria condensada. Sua vida inteira foi espantosamente universal. Foi deputado estadual por duas vezes e também cassado por ter idéias “livres”. Perseguido pela ditadura foi proibido de entrar no campus da universidade e afastado de qualquer centro de pesquisa. "Há coisas que a gente não deve esquecer, porque se a gente esquece, perdoa; e certas coisas não devem ser perdoadas”, diria ele.
Foi professor universitário e excêntrico quando se tratava de horários e maneiras de ensinar. Gostava de fazer suas pesquisas de madrugada e as provas eram realizadas em sua casa, em seu sofá, longe dos moldes tradicionais. Com o lema: tudo que é humano, não me é estranho, cumprimentava com a mesma dignidade o porteiro do prédio, Einstein, Fermi ou Fernando Henrique Cardoso.
Um ser humano apaixonante que buscava entender a sua vida por todos os lados e relacionava o tudo com o todo de maneira excepcional. Com seu modo muito particular de viver construiu, é bem verdade, sua própria realidade e com idéias originais e criativas buscou melhorar e contribuir para o país em que vivia. Das contribuições que ficam, estão as palavras do amigo e pesquisador João Barcellos que o Mário é “um prelúdio ao concerto da Vida, que nem sempre nos aguarda em cada esquina, em cada aeroporto. “

1 de dez. de 2009

Irreversível


O corpo secou
Para que meus
Medos
Se afogassem
Apaguei as luzes
E sonhei
Que pela manhã
Não escorria
Em mim
Nenhuma esperança.

30 de nov. de 2009

Teça

Joan Miró


"Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzam os fios de sol de seus gritos de galo para que a manhã, desde uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão".
João Cabral de Melo Neto

26 de nov. de 2009

Reflexão

"Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!"

Guimarães Rosa

7 de nov. de 2009

João e Maria

João
Sempre foi João
Maria
Sempre Maria
Um dia o amor chegou
João tornou-se
João e Maria
Maria
Maria e João
E hoje
Eles não sabem
O que fazer com o
e.

4 de nov. de 2009

O equilibrista


Tocávamos clarinete na corda bamba
subíamos às altas torres do Egito
passeávamos de pára-quedas
no sol sem fim dos dias de fogo
subíamos à capota do avião
por cima das nuvens
recitávamos poemas à lua
tocando nela.
Andávamos nos parapeitos dos edifícios
de um pé só na balaustrada dos abismos
não caíamos dos fios metálicos do circo
andando de cabeça para baixo
nem do alto da torre Eiffel correndo sonâmbulo.
Só na vida é que não nos equilibrávamos.

Francisco Bandeira de Mello

29 de out. de 2009

Ora iê iê ô...

Ana Teles

Tive uma infância como qualquer garoto. Subia em árvores, soltava pipa, criava peixe como se fosse gente. Gostava de andar com os pés descalços e correr na rua até a hora da minha mãe gritar e me pedir pra tomar banho. A vida lá, com pitangas e jabuticabas, não era melhor nem pior que a de hoje. É bem verdade que muita coisa mudou. A cidade, de poucos mil habitantes para uma com milhões de pessoas, sem contar o ambiente, objetivos e responsabilidades. Mas quando pude, não hesitei em me mudar, pois sou movido por transformações e por mais que doam, acredito que é esse o nosso destino. Alguns fatos nos entristecem, mas nunca duram muito tempo. Machucam e depois vão abrandando. Gosto de dizer que a vida tem movimento próprio e o que era dor e saudade se restringe a um amontoado de lembranças e objetos.
E aqui vou construindo mais uma parte da minha vida, com amigos, amores e minhas atividades diárias. Vou sabendo que não há nenhuma segurança no caminho, nenhum porto ou salvador existe, e que a vida da gente ora é consolo ora é agonia e medo. Sigo meus dias confiando que amanhã seja um dia melhor, onde com amor eu possa fazer minhas descobertas e mudar de rumo quando for preciso. A estrela mais linda, hein? Tá no Gantois. E o sol mais brilhante, hein? Tá no Gantois. A beleza do mundo, hein? Tá no Gantois. E a mão da doçura, hein? Tá no Gantois. O consolo da gente, hein? Tá no Gantois, cantaria Maria Bethânia.

26 de out. de 2009

Felicidade


- Não. Não. A felicidade não é simples. Não há receita: seja feliz em uma semana. Não adianta buscá-la. Ela é bem sem destino, sem origem, sem cria. Mora nas reticências. Quando não vaza pelos cantos, transborda. Sim, felicidade é excesso de alegria. Não, alegria é falta de dor, dor miúda. Felicidade é forma. Deforma a felicidade e inventa. É como arte. Não. É a própria arte. Tem vida própria. Um soneto. Um caminho. Caminho de que meu Deus? Esqueça caminho. Esqueça de deus. É volta, curva, travessia. É atravessar o mundo, cortá-lo ao meio. Não, é coragem. Sim, é morte. Não é fuga. Sim, é abandonar-se.

Cada vez mais acredito que a felicidade é arrancar um punhado de nuvens do estômago e soprar...

11 de out. de 2009

God!

Napalm por Banksy

"Deus está morto, e nós todos somos seus assassinos."
Osvaldo Giacóia, filósofo contemporâneo.

Obs.: Napalm é um conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada, que foi utilizado pelos EUA na Guerra do Vietnã.

10 de out. de 2009

Amor: um broto de vida

Joahnna Wright

Em meio a tantas incertezas, o desejo lhe tomava pelos braços e como quem não tem nada a perder abriu as suas metáforas e encontrou dentro um coração. Nunca pensou que haveria habitantes entre artérias e ventrículos, quando ouviu alguém chamar por seu nome. Pedia um pouco de água e um pouco de luz. A vida daquele coração agora dependia da sua. Coloquei-o então na janela e num piscar de olhos transformei-me numa criança que espiava o mundo do alto de uma grande jabuticabeira.

Bate em paz

Banksy

Nunca soube o que fazer
com os espaços que ficam
depois que alguém vai embora
uma dúvida insiste
e de tanto, o meu tentar desiste
de trocar a ausência
por qualquer coisa que fira menos:
nada para repor
nada para suprir
nada que realmente comportasse
o encanto de algo que ficou
para trás

Cáh Morandi

8 de out. de 2009

7 de out. de 2009

Cego

Cego de nascença, aprendeu a ler no escuro. Desde pequeno os livros lhe eram abertos, os toques lhe fundavam janelas, os sons lhe eram caminhos de pedras. Um dia achou um doador de córnea e pensou que os recursos adquiridos poderiam lhe render a visão total. Não aceitou ser operado por conta do governo, nem enxergar no claro. Ficou com medo de se olhar no espelho das pessoas e ter medo da escuridão que havia nelas.

Silas Correa Leite

28 de set. de 2009

É amarela


Por mais que imaginasse não lhe cabia a morte, o final de tudo sempre chegaria. Nesses momentos gostava de imaginar um ipê amarelo.

27 de set. de 2009

Dança

Por Vânia Medeiros

Com a melhor renda
E lápis em torno dos olhos
Se preparava
Todos os dias
Para o baile
Embora soubesse
Do salão vazio
Ritmava os passos
Retirava da garganda
Uma corda vocal
Segurava-a com as pontas dos dedos
E num sopro
O baile acontecia.

26 de set. de 2009

Homem-Bomba

Dançarinos - Miró
Em que pensa o homem-bomba no exato momento de soltar o pino e estancar o tempo?

Em que pensa o homem-bomba na hora imensa em que o sangue se adensa e todos os sóis, e todos os poros, e todas as luas do universo projetam forças vorazes de gravitação na explosiva nave de seu coração?Em que veia-cava o medo crava seus tentáculos?

Em qual infinitésimo de segundo a mão trêmula avança para o pino e vence a inércia do ser vivo que deseja permanecer semente, não de idéias, mas de carne viva?

Carlos Machado

19 de set. de 2009

"Mar não tem desenho"


"Mãe, o que é que é o mar, Mãe?"

-Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava.

"Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?"

Guimarães Rosa

14 de set. de 2009

De trágico, o fato.


Einstein morreu
Monet morreu
Shakespeare morreu
Meu avô morreu
Drummond morreu
Marilyn Monroe morreu
Minha mãe morrerá
Meus amores morrerão

E eu mesmo não estou me sentindo muito bem.

Geração Pepsi Twist


Para satisfazer
A criação da modernidade
E a moda do século
Implanta-se botóx, silicone
Lipoescultura, mamoplastia
Namoro e sexo se faz a distância
No click fluido
Sem cheiro, ouvidos e cumplicidade
E para manter-se ainda mais jovens
Ipods, memórias de 80 Giga Bytes
Turmas, festas, amores pra contar
Sábados
Enquanto isso busca-se
A sabedoria dos mais velhos
Para aliviar os caminhos
E quando mais velhos
Não cabendo no próprio corpo
Necessitam de voltar
Traçam histórias e acontecimentos
E infelizmente
Nunca aprendem
Que a idade
E a arte de se viver
Carregam consigo
Além da persistência
A incompletude.

6 de set. de 2009

Encontro

Moça na janela - Salvador Dalí

Embora ninguém soubesse, desde pequeno gostava de ouvir histórias e ver sorrisos tímidos. Nos lugares onde frequentava, como festas, bares e cinemas, não se preocupava com as distâncias e nem como chegaria. Era observador, atento e procurava enxergar aquilo que lhe causava espanto, alegria e dor: um vestido azul, rostos desatentos, mães com seus filhos, olhos de velhice, a ternura dos casais, a simplicidade de risos e abraços, um dia acabando, a felicidade e tristeza em estado natural - que sabia aparecer naqueles momentos nos quais as pessoas estão completamente sós, e completas.

Buscava-se no outro e mesmo com o impacto que isso lhe trazia era audacioso e não sentia medo de saber que seria assim pra sempre: seu corpo buscando a moldura exata entre a esperança e a solidão.

Sem entender os porquês - sabia que eles não existiam - preferia nesses momentos descalçar os sapatos, desenhar num papel uma casa e alguns caminhos, escapar pela janela que dava para o horizonte e entrar no primeiro silêncio que encontrava.

4 de set. de 2009

A vida desmancha o tempo.


"– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese.
É ou não é?"

(Memórias de Emília - Monteiro Lobato)

31 de ago. de 2009

Perspectiva

Self Portrait - Goya


Para a Física
Uma lente
A biologia explica
Retina, córnea, íris
Um oftalmologista diria
Catarata
Os mais exigentes
Verdes
Para uma noite
Lápis
Para os guardas de trânsito
Atentos
Aos cegos
Possibilidades
Para o amor
Fome
Para Capitu
Oblíquos
Para os alegres
Manhãs
Para os nômades

Asas
Para a solidão
Dentro
À ausência
Agonia
Aos namorados
Lábios
Para os tristes
Silêncio
E para os olhos
A mudez.

Bruno Franzon


24 de ago. de 2009

Sem título

Por Vânia Medeiros

“Por mais que se movimentasse em gestos cotidianos – acordar, comer, caminhar, dormir – dentro dele algo permanecia imóvel. Como se seu corpo fosse apenas a moldura do desenho de um rosto apoiado sobre uma das mãos, olhos fixos na distância. Ausentou-se, diriam ao vê-lo, se o vissem. E não seria verdade. Nesses dias, estava presente como nunca, tão pleno e perto que estava dentro do que chamaria – tivesse palavras, mas não as tinha ou não queria tê-las – vagas e precisamente de: A Grande Falta”

Caio Fernando Abreu

23 de ago. de 2009

Agosto com bolo de milho e vinho quente.

Estilhaços de uma fogueira de São João lhe inundaram os olhos e com eles cobertos por uma névoa esbranquicada passou a perambular, taciturno, a procura de algum motivo que explicasse a sua vida.

Acordava cedo e desejava dias mais longos para prolongar a sua busca e o seu desencontro. Adquiriu hábitos estranhos, como passar pelo corredor da sala tocando as paredes e sentir prazer com o pinga-pinga da torneira do banheiro. Conheceu o mundo inteiro, ouviu todos os CDs que possuia, plantou girassóis, disse "eu te amo" infinitas vezes e nada, absolutamente nada, o tirou desse mal-estar.

Já exausto de buscar refúgios em viagens, médicos e boas ações, estendeu o corpo sobre o vazio em que se encontrava e passou, então, a observar um balão que subia por entre os fogos de artifício e as moças que dançavam com seus vestidos quadriculados, para, finalmente, ouvir as portas do trem se abrirem e descer na estação Vila Olimpía para mais uma jornada de 8h de trabalho.

16 de ago. de 2009

Estranheza

Barco com bandeirinhas e pássaros - Alfredo Volpi

Para aquecer o corpo
Nos dias de inverno
Mexe três vezes
O líquido caudaloso
Da xícara de chá
Em um gole
A verdade assombra
E a vida
Toma forma

Bruno Franzon

Concerto

Três Músicos - Picasso

"Viver é afinar um instrumento
De dentro pra fora,
De fora pra dentro."

Composição de Sérgio Berrini.

Persona


Foi com gritos e vibrações que o meu corpo respondeu à peça de teatro Canastra. Promovida por alunos da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP) o Projeto Canastra, como também é conhecido, está em cartaz na sala Alfredo Mesquita do Teatro Laboratório CAC-ECA-USP. Como num jogo de cartas, cada dia de espetáculo um “ator-jogador” é eliminado pela platéia (similar a um reality show), até sobrar um único e último ator, que ganhará o troféu de Ator-Canastra.


No total foram oito monólogos, da comédia ao drama, que discutiram meio ambiente, TV, solidão, crescimento pessoal, etc. A qualidade e o encanto das apresentações unido ao jogo de luzes, de cores e de movimentos corporais prometem uma disputa acirrada. Restam ainda seis exibições até conhecermos o vencedor. E as minhas apostas já estão feitas.


Para saber mais, o projeto tem um blog: www.projetocanastra.blogspot.com

13 de ago. de 2009

Estamos de passagem

Passaromem - Nestor Lampros

O fazer e desfazer as malas sempre deixa uma sensação ambígua. Por um lado a felicidade de rever amigos, familiares, amores e conhecer novas histórias e pessoas. Do outro, um grito acompanhado de uma intuição estrangeira e a crua presença da vida, que insiste em nos minimizar e nos mostrar que qualquer possibilidade de fixarmos raízes é inútil.


E é com esse gosto e um sorriso tímido, daqueles percebidos por poucos, nos despimos por inteiro, lavamos o rosto com água fria pela manhã e renovamos nossa vontade de seguir adiante, enquanto as asas doem e os dias seguem.



10 de ago. de 2009

O Homem

Drawing hands - Escher

A essa altura da evolução da humanidade, em que máquinas complicadas são utilizadas para as necessidades mais simples, onde não é preciso estômago para fazer a digestão, os homens são criados em laboratórios.

O pai uma macromolécula, a mãe um tubo de ensaio. Sem amor, ternura ou desejo sexual criam-se um produto e em nove minutos, rompendo com o mito da criação, podem-se escolher os melhores modelos: olhos azuis, cabelos claros, corpo bem desenhado, advogado, etc. Medido e aprovado. Sem, no entanto, a humanidade atingir um nível razoável de cultura e os homens ainda se matando como percevejos.

Chateados com a Terra eles criam foguetes e cápsulas para chegarem à Lua. Descem cautelosos na Lua, pisam na Lua, experimentam a Lua, colonizam a Lua, civilizam a Lua, humanizam a Lua. Agora tão igual à Terra, eles ordenam a suas máquinas: vamos a Marte. Os homens chegam em Marte e pisam, experimentam, colonizam, civilizam, humanizam Marte. Eles pensam: marte humanizado, mas que lugar quadrado. Ordenam de novo: vamos para Vênus. Fazem do espaço todo a Terra, até não restar nenhum sistema fora do solar a ser humanizado, acabam-se todos.
Contudo, estará o homem equipado para decifrar e viajar a si mesmo? E, entre posturas mais urgentes, sentar-se num banco, colocar o pé no chão, dobrar a espinha e experimentar, colonizar, civilizar, humanizar o homem, e descobrir nesse mundo mudo e estranho a arte de conviver?


Texto baseado nos seguintes poemas de Carlos Drummond: Os Homens, as Viagens; O Sobrevivente e O Novo Homen.