28 de set. de 2009

É amarela


Por mais que imaginasse não lhe cabia a morte, o final de tudo sempre chegaria. Nesses momentos gostava de imaginar um ipê amarelo.

27 de set. de 2009

Dança

Por Vânia Medeiros

Com a melhor renda
E lápis em torno dos olhos
Se preparava
Todos os dias
Para o baile
Embora soubesse
Do salão vazio
Ritmava os passos
Retirava da garganda
Uma corda vocal
Segurava-a com as pontas dos dedos
E num sopro
O baile acontecia.

26 de set. de 2009

Homem-Bomba

Dançarinos - Miró
Em que pensa o homem-bomba no exato momento de soltar o pino e estancar o tempo?

Em que pensa o homem-bomba na hora imensa em que o sangue se adensa e todos os sóis, e todos os poros, e todas as luas do universo projetam forças vorazes de gravitação na explosiva nave de seu coração?Em que veia-cava o medo crava seus tentáculos?

Em qual infinitésimo de segundo a mão trêmula avança para o pino e vence a inércia do ser vivo que deseja permanecer semente, não de idéias, mas de carne viva?

Carlos Machado

19 de set. de 2009

"Mar não tem desenho"


"Mãe, o que é que é o mar, Mãe?"

-Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava.

"Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?"

Guimarães Rosa

14 de set. de 2009

De trágico, o fato.


Einstein morreu
Monet morreu
Shakespeare morreu
Meu avô morreu
Drummond morreu
Marilyn Monroe morreu
Minha mãe morrerá
Meus amores morrerão

E eu mesmo não estou me sentindo muito bem.

Geração Pepsi Twist


Para satisfazer
A criação da modernidade
E a moda do século
Implanta-se botóx, silicone
Lipoescultura, mamoplastia
Namoro e sexo se faz a distância
No click fluido
Sem cheiro, ouvidos e cumplicidade
E para manter-se ainda mais jovens
Ipods, memórias de 80 Giga Bytes
Turmas, festas, amores pra contar
Sábados
Enquanto isso busca-se
A sabedoria dos mais velhos
Para aliviar os caminhos
E quando mais velhos
Não cabendo no próprio corpo
Necessitam de voltar
Traçam histórias e acontecimentos
E infelizmente
Nunca aprendem
Que a idade
E a arte de se viver
Carregam consigo
Além da persistência
A incompletude.

6 de set. de 2009

Encontro

Moça na janela - Salvador Dalí

Embora ninguém soubesse, desde pequeno gostava de ouvir histórias e ver sorrisos tímidos. Nos lugares onde frequentava, como festas, bares e cinemas, não se preocupava com as distâncias e nem como chegaria. Era observador, atento e procurava enxergar aquilo que lhe causava espanto, alegria e dor: um vestido azul, rostos desatentos, mães com seus filhos, olhos de velhice, a ternura dos casais, a simplicidade de risos e abraços, um dia acabando, a felicidade e tristeza em estado natural - que sabia aparecer naqueles momentos nos quais as pessoas estão completamente sós, e completas.

Buscava-se no outro e mesmo com o impacto que isso lhe trazia era audacioso e não sentia medo de saber que seria assim pra sempre: seu corpo buscando a moldura exata entre a esperança e a solidão.

Sem entender os porquês - sabia que eles não existiam - preferia nesses momentos descalçar os sapatos, desenhar num papel uma casa e alguns caminhos, escapar pela janela que dava para o horizonte e entrar no primeiro silêncio que encontrava.

4 de set. de 2009

A vida desmancha o tempo.


"– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese.
É ou não é?"

(Memórias de Emília - Monteiro Lobato)